Exceção de pré-executividade

Gentilmente enviado por Leonardo José Oliveira Azevedo.

Advogado e consultor jurídico estabelecido no Rio de Janeiro, militante e atuante na área de Direito Civil, Direito do Consumidor e Direito do Trabalho, prestando, ainda, como consultor, pareceres jurídicos para segmentos da aviação comercial internacional.

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA CÍVEL DA COMARCA DE ___

Ref.: Processo n.º…………………………………..

 

 

 

 

Beltrano, já devidamente qualificado nos autos do processo em referência, por seu procurador que esta subscreve, vem, à presença de Vossa Excelência apresentar a competente EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE, conforme razões a seguir expendidas.

1. DA PROPRIEDADE DA PRESENTE MANIFESTAÇÃO.

O direito, como ciência cultural, sofre influência da preocupação humana, provocando modificações que se introduzem na sua estrutura, tanto no campo legislativo, o qual forma o ordenamento jurídico, como no plano doutrinário e hermenêutico, os quais direcionam o sentido das normas.

Não é diferente no processo de execução, que em sua origem no direito romano, o executado pagava com o seu corpo, podendo ser vendido como escravo, mas com a evolução cultural, atingiu-se uma postura mais equânime, por influência do cristianismo, embora ainda com prevalência ao exequente.

O resultado da evolução que humanizou o processo de execução, esta expresso no ordenamento jurídico pátrio, quando assegura que sempre que a execução puder se realizar de várias formas, ela será feita da forma menos gravosa ao devedor, consoante dispõe o artigo 620 do Código de Processo Civil.

Como é cediço, o processo de execução tem como objetivo a expropriação de bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor, não sendo possível que o sujeito passivo apresente defesa quando citado.

Isto porque, a defesa é formulada nos embargos do devedor, e somente após garantido o Juízo pela penhora, tratando-se, na verdade, de ação coacta, que será autuada em apenso aos autos da execução.

Com a evolução cultural, nasceu a seguinte indagação: seria coerente com os princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurados pela Carta Maior, compelir o executado a garantir o Juízo mediante depósito, fiança bancária ou penhora de seus bens, para, somente então, poder apresentar sua defesa? E se não possuir bens? 

Como se disse no início dessa abordagem, o direito sofre, constantemente, modificações, em função da influência que os jurisdicionados exercem sobre ele.

Diante desse quadro, nasceu uma preocupação em romper ou, pelo menos, minimizar a rigidez do sistema do processo executivo, por trazer implicações profundas com o direito de defesa.

Na década de 80, quando veio a lume a nova lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/80), o jurista Milton Flaks expendeu comentários que ainda permanecem atuais, tendo observado que embora somente se admitissem os embargos à execução após estar garantido o juízo, salvo, como havia observado Celso Neves, nas hipóteses teratológicas “... em que se aprecia, de plano, sem forma nem figura de juízo, a oposição do executado...”, a jurisprudência já vinha admitindo, independente de prévia garantia da execução, “... petições em que os executados (com ou sem assistência de advogado), alegam pagamento ou anulação do lançamento do qual se originou o crédito reclamado.”

Nesse passo, atualmente tem-se entendido que em determinadas hipóteses, é admissível que o executado se manifeste nos autos da execução, tese esta, defendida largamente pela doutrina e jurisprudência modernas.

No mesmo sentido é o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que, no seu papel de instância uniformizadora do direito federal, tem freqüentemente admitido a exceção de pré-executividade, verbis:

“Execução. Exceção de pré-executividade. A defesa que nega a executividade do título apresentado pode ser formulada nos próprios autos do processo de execução e independe do prazo fixado para os embargos de devedor. Precedentes. Recurso conhecido em parte e parcialmente provido.” (Ac un da 4ª T do STJ - REsp 220.100-RJ - Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar - j. 02.09.99 - DJU-e 1 25.10.99, p 93 - ementa oficial)

“Execução. A nulidade do título em que se embasa a execução pode ser argüida por simples petição, uma vez que suscetível de exame ex officio pelo juiz. ...”

(STJ – 3ª Turma - Resp. n.º 3.264-PR – Acórdão unânime – Ministro Relator Eduardo Ribeiro – publicado no DJU em 18/02/91)

“Processual Civil. Agravo de Instrumento. Processo de Execução. Embargos do Devedor. Nulidade. Vício fundamental. Argüição nos próprios autos da execução. Cabimento. Artigos 267, § 3o ; 585, II; 586; 618, I do CPC.

I - Não se revestindo o título de liquidez, certeza e exigibilidade, condições basilares no processo de execução, constitui-se em nulidade, como vício fundamental, podendo a parte argüi-la independentemente de embargos do devedor, assim como pode e cumpre ao juiz declarar, de ofício, a inexistência desses pressupostos formais contemplados na lei processual civil.

II - Recurso conhecido e provido.”

(STJ – 3ª Turma - Resp. n.º 13.060-SP – Acórdão unânime – Ministro Relator Aldemar Zveiter – publicado no DJU em 03/02/92)

Destarte, denomina-se exceção de pré-executividade ou oposição substancial a formal constituição do crédito, no sentido de subsidiar o Juízo na análise de fundo e formar o seu convencimento no exame da causa concreta, podendo ser argüida independentemente de embargos.

2. DA INEXISTÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO.

Com efeito, tem-se que, desde o início da presente demanda, o Exequente detinha a qualificação e endereço dos então Réus, eis que, em 06 de julho de 1987, o mesmo foi notificado judicialmente (fls. 62/66), cujo documento apresentava os endereços.

Entretanto, sem nem ao menos proceder à diligências para tentar encontrar os réus, o Exequente preferiu realizar a citação por edital, a qual se sabe, somente é realizada em última instância, quando esgotadas todas as formas de encontrar pessoalmente os réus, o que não ocorreu no caso em tela.

Não é diverso o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, conforme depreende-se das ementas a seguir transcritas, onde restou consignado ser nula a citação por edital sem prévia certidão de que o réu estivesse em lugar incerto e não sabido, verbis:

“Execução hipotecaria - Defeito de citação editalícia – Nulidade do edital de citação que expediu-se sem previa certidão, nos autos, de que o executado estivesse em lugar incerto e não sabido ou fora da jurisdição do imóvel objeto da execução. Não houve intimação do curador especial nomeado e ele não teve qualquer atuação em defesa do autor. A questão foi bem examinada pela sentença. Recurso improvido.” (negritamos).  

(STJ – 1ª Turma – Resp. n.º 47.227/MG – DJ de 20/06/1994, pág. 16.065 – Relator Min. Garcia Vieira - decisão unânime).

Destarte, a sentença não produziu efeitos em relação ao ora Executado, eis que o mesmo não integrou a relação processual, razão pela qual não merece prosperar a execução em tela, por total inexistência de título executivo, pelo que deve ser extinta sem análise de mérito, na forma do artigo 267, IV, do Digesto Processual.

3. DA AUSÊNCIA DE CERTEZA DO TÍTULO.

Como é sabido, o processo executivo é sempre fundado em título certo, líquido e exigível, ou seja, na falta de qualquer desses pressupostos, tem-se por inexistente o mesmo.  

No caso em tela, o Exequente diz-se possuidor de título executivo judicial (sentença transitada em julgado – fls. 55/57), em função do qual cobra do Executado a vultuosa quantia de R$ _________, a título de honorários advocatícios.

Entretanto Excelência, no dia 06 de agosto de 1990, as partes atravessaram petição (fl. 102), firmada por ambos os patronos, informando ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do ___________, que preparava-se para julgamento do recurso de apelação, a realização de transação, requerendo, consequentemente, a desistência do mesmo.

Às fls. 105, temos o acórdão homologando a desistência do recurso em face da realização de transação pelas partes.

Assim Excelência, não há como remanescer qualquer sombra de dúvida quanto à existência da realização de transação, sendo certo que a mesma substitui a sentença, consoante entendimento uníssono da jurisprudência, verbis:

“Agravo de Instrumento. Transação. Honorários de advogado. Execução. Acordo subscrito pelo advogado. Quitação inclusive quanto aos honorários advocatícios. Tendo as partes litigantes celebrado acordo com a anuência do patrono dos autores, deixando claro este, que dava ampla e geral quitação, inclusive quanto às custas e honorários advocatícios, impossível seu arbitramento, após o transito em julgado de sentença homologatória do acordo. Provimento do recurso.” (negritamos).

(TJRJ – 18ª CC – AI n.º 2002.002.01189).

“Ementa - Agravo de Instrumento - Execução de sentença - Despacho indeferitório, sob a alegação de que ocorreu transação entre as partes - Recurso conhecido e improvido, Tendo as partes transigido em determinado processo, pondo fim a todas as demandas entre si, acordo esse que foi homologado por sentença que transitou em julgado, não pode ocorrer a execução de sentença num dos feitos que estava no tribunal, em grau de apelação, provida posteriormente, porque a prevalecer a decisão de segundo grau haveria desobediência a coisa julgada, ainda que a E. Câmara que julgou a apelação não tenha tomado conhecimento do acordo. conclusão: a unanimidade, conhecer do recurso e negar provimento.” (negritamos).

(TJES – 1ª C.C. - Agravo de Instrumento n.º 032939000017 - Data de Julgamento: 12/09/1995 -  Desembargador titular: Nivaldo Xavier Valinho).

“Embargos a Execução. Transação homologada em Juízo, com sentença transitada em julgado. Terminando o pleito principal em transação, esta é que substitui, para todos os fins de direito, inclusive o de sua exigibilidade em Juízo, o contrato anterior, cujas clausulas não são mais passíveis de discussão. A transação implica em concessões recíprocas, com vistas a se prevenirem ou extinguirem litígios. Se para essa finalidade, a divida reconhecida e consolidada, em moeda estrangeira, é de determinado valor, não pode ser executada por montante diverso, como postulado, sob pena de excesso. Havendo antinomia entre suas cláusulas quanto ao montante da divida reconhecida, prevalece aquele que mais se ajusta à natureza jurídica desse instituto. Provimento parcial do recurso.” (CLG) (negritamos).

(TJRJ – 8ª CC – AC n.º 1999.001.16185)

“(...) Confissão. Transação. Aplicação de índice de correção. Quando o contribuinte do fisco reconhece a divida e concorda, na forma apresentada para sua liquidação, em parcelas, esta- fazendo uma transação, ou seja, praticando um ato jurídico na qual as partes fazem concessões reciprocas para transformarem em um estado jurídico seguro o duvidoso em que se encontravam. Oferece esse ajuste, pontos de contato com a sentença, e substitui a decisão que o magistrado daria, se a causa chegasse ao fim. Realizada a transação, equipara-se à sentença irrevogável, adquirindo todos os efeitos da coisa julgada. (...).(CEL)” (negritamos).

(TJRJ – 6ª CC – AC n.º 1995.001.05817)

“Agravo de Instrumento - Responsabilidade Civil - Transação - Honorários Advocatícios - Execução - Não é possível a fixação de honorários, em execução, depois de encerrada esta, mediante acordo devidamente homologado por sentença. Hipótese, ademais, em que, na inicial da execução, não pediu o exequente a fixação de honorários, para esta fase, conforme permissivo constante do artigo 20, parágrafo, 4º, do Cód. Proc. Civil. Decisão confirmada.” (negritamos).

(TJRJ – 4ª CC – AI n.º 2001.002.15614)

Ora Excelência, como pode o Exequente realizar uma transação, que constitui um título executivo em substituição da sentença, e depois pretender executar uma sentença que, notadamente, não possui mais eficácia?

Além do mais, a teor do artigo 269, III, do Diploma Processual, a transação importa na extinção do processo com análise de mérito, ou seja, faz coisa julgada material o conteúdo do acordo.

Com efeito, tem-se que, para atribuir-se certeza ao título executivo, pressuposto imprescindível para legitimar a execução, é necessário a apresentação, por parte do Exequente, do instrumento de transação que fora realizada, a fim de dar ciência do teor do acordo, uma vez que, não tendo participado da presente demanda, o Executado não participou da elaboração do acordo, ou seja, não tem conhecimento do seus termos, sendo certo que, caso contrário, restará ferido mortalmente o princípio do contraditório e da ampla defesa, em que pese tratar-se de processo de execução, conforme precedente a seguir:

“Execução. Revelia. Princípio do Contraditório. Admissibilidade de Exceção de Pré-Executividade.

A instrumentação jurídica da exigência do contraditório, como garantia constitucional se faz presente no processo de execução, sem ser limitada à cognição. Sem isso não seria possível estabelecer o indispensável equilíbrio entre a exigência de satisfação do credor e a de respeito ao devedor e seu patrimônio. É verdade que, à medida que se caminha na direção da absoluta indisponibilidade de direitos no plano jurídico-material, tanto mais efetivo há de ser o contraditório, não se tolerando que as omissões da parte possam conduzir o processo por caminhos que lhe acarretem a perda do direito. Sendo matéria de ordem pública, a exceção de pré-executividade deve ser conhecida e julgada pelo Juizo monocrático. Recurso conhecido e provido.”

(TJRJ – 11ª C.C. – Ap. Civel n.º 2001.001.16643 – Des. Rel. Cláudio de Mello Tavares – julg. em 14/11/2001)

Destarte, requer o Executado à Vossa Excelência que se digne determinar, na forma do artigo 355 e seguintes do Digesto Processual, que o Exequente apresente o instrumento de transação acima referido, sob pena de considerar-se verdadeira a assertiva de que a sentença foi totalmente substituída.

4. DO CABIMENTO DA CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS.

Por fim, cabe ao Executado manifestar sua indignação no que se refere à convicção do Exequente de que nenhum ônus lhe será imposto, ainda que verificada a impertinência de sua provocação, o que se torna questão crucial que estimula a propositura de reiteradas ações executivas sem as cautelas de praxe, como por exemplo, a verificação da liquidez, certeza e exigibilidade da suposta dívida. 

Por esta razão, e ainda aliada ao fato de que a presente provocação (exceção de pré-executividade) possui a natureza jurídica de uma defesa substancial, nos mesmos moldes dos embargos à execução, com um caráter constitutivo negativo que induz a configuração da sucumbência, é que se torna imperiosa a condenação do Exequente em honorários advocatícios. 

É neste sentido que se posiciona a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ao verificar que a ação de execução foi extinta após a intervenção do advogado contratado pelo executado indevidamente cobrado, o que se constata nas ementas abaixo transcritas:

“Processual civil. Execução. Exceção de pré-executividade. Honorários advocatícios. Condenação. Possibilidade.

1 - Decretada a extinção da execução, em virtude de acolhimento de exceção de pré-executividade, são devidos honorários advocatícios.

2 - Recurso conhecido e provido para que o tribunal de origem fixe o quantum que entender condizente com a causa.” (negritamos).

(STJ – 6ª Turma - REsp. n.º 411.321/PR - DJ de 10/06/2002, pág. 285 - Relator Min. Fernando Gonçalves -  data da decisão: 16/05/2002 – decisão unânime).

“Processual civil. Execução. Exceção de pré-executividade. Honorários devidos. CPC, art. 20. Doutrina e precedentes do Tribunal. Recurso provido.

I - O sistema processual civil vigente, em sede de honorários advocatícios, funda-se em critério objetivo, resultante da sucumbência.

II - Extinguindo-se a execução por iniciativa dos devedores, ainda que em decorrência de exceção de pré-executividade, devida é a verba honorária (negritamos).

(STJ – 4ª Turma - REsp. n.º 195.351/MS - DJ de 12/04/1999, pág. 163 - Relator Min. Salvio de Figueiredo Teixeira -  data da decisão: 18/02/1999 – decisão unânime).

Em consonância com estas decisões tem-se ainda o posicionamento de abalizada doutrina, nesta oportunidade representada por Luiz Peixoto de Siqueira Filho, em sua belíssima e elucidativa obra Exceção de Pré-Executividade, 3ª Ed., Editora Lumen Huris, 1999, pág. 82, que ensina o seguinte: “Havendo o acolhimento da exceção de pré-executividade, caberá ao autor do processo de execução o pagamento das despesas do processo e dos honorários advocatícios” (grifos).

Deste modo, restou plenamente evidenciado pelo Executado o induvidoso cabimento da condenação do Exequente no pagamento de honorários advocatícios.

5. DO PEDIDO

Por todo o exposto, e após a manifestação do Exequente, o Executado requer à Vossa Excelência que se digne acolher a presente manifestação, quer seja pela inexistência do título executivo, devido a nulidade de citação, quer seja pela inexigibilidade do título, face a incerteza que o mesmo revela, culminando na extinção da presente execução sem julgamento do mérito, em relação ao Executado, na forma do artigo 267, IV, do Codex Instrumental, condenando, por conseguinte, o Exequente no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, na base usual de 20% sobre o valor da suposta dívida.

Por derradeiro, informa, para efeito do artigo 39, I, do CPC, que o endereço profissional do patrono do Executado é: Av. ………, n.º ………., sala…., Rio de Janeiro, RJ, CEP ………...

Termos em que,

Espera deferimento.

(Local e data)

 

Leonardo José Oliveira de Azevedo

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Inserido em 22/02/2014